Lorenna Rochinski

GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: NECESSIDADES E CONTEXTOS

 

Lorenna Rochinski

 

Introdução

 

O presente artigo busca analisar e discutir a respeito da necessidade atual de ampliação e discussão entre gênero e ensino de História, buscando inserir os debates e reflexões não apenas como apêndices históricos, mas de acordo com sua importância para o ensino e sobretudo para o ensino de História, como algo efetivo de importância dentro da disciplina.

 

Desenvolvimento

 

Nos dias atuais, nos vemos cercados e bombardeados por diversas notícias e acontecimentos envolvendo situações de preconceito e discriminação para com as diversas categorias de gênero. Isso nos leva a uma problemática cada vez mais emergente: qual é o papel da educação e sobretudo das escolas para essa problemática?

 

Muito se fala sobre o papel social da escola, visto que este ambiente recebe mutuamente uma grande diversidade de alunos de diferentes contextos e realidades distintas, trazendo consigo uma demanda frente ao cumprimento de tais exigências sociais e culturais em conjunto com as práticas educacionais.

No que diz respeito a inserção social de setores discriminados historicamente, a escola possui um papel fundamental, pois se trata, além de um espaço voltado para a educação, em um dos principais meios de socialização das crianças e adolescentes.

 

“A escola é uma instituição social de extrema relevância na sociedade, pois além de possuir o papel de fornecer preparação intelectual e moral dos alunos, ocorre também, a inserção social. Isso se dá pelo fato de a escola ser um importante meio social frequentado pelos indivíduos, depois do âmbito familiar”. (DA SILVA; FERREIRA, 2014, pg. 7).

 

Entende-se que a escola, é o primeiro local onde o indivíduo passa a ter relações com outras pessoas para além da família, passando a conviver com diferentes raças, etnias, religiões e culturas. Portanto, cabe a escola garantir boas relações de convivência e respeito para além da formação de indivíduos críticos, reflexivos e conscientes de seus direitos e deveres e também dos ideais de igualdade e justiça.

 

“A função da escola é proporcionar oportunidades de convivência respeitosa e o mais igualitária possível entre os diferentes gêneros. Assim como possibilitar que questões sobre a diversidade de identidades e orientações sexuais sejam compreendidas e respeitadas, combatendo preconceitos, estereótipos e trabalhando no sentido de evitar atitudes discriminatórias, muitas vezes agressivas e violentas.” (SCHNEIDER, 2019, pg. 19)

 

Dentro das disciplinas escolares, as disciplinas do campo de Ciências Humanas cumprem um papel fundamental no que diz respeito às reflexões em torno do papel do estudante enquanto individuo crítico e ativo em sociedade. É nesse sentido, que estabelecer relações reflexivas entre as demandas socias e os pratica de ensino, torna-se cada vez mais uma das tantas necessidades curriculares escolar.

 

É de extrema importância no que diz respeito ao âmbito educacional, levar os alunos a perceber que as relações, contextos e necessidades são construções históricas, ou seja, são mutáveis de acordo com as diferentes temporalidades, acontecimentos, noções culturais e etc. Dessa maneira, os alunos são levados a entender que as problemáticas atuais surgem de diversos contextos e necessidades que foram sendo moldadas historicamente. Nesse sentido, o ensino de História, possuía uma grande importância no que diz respeito as relações sociais baseadas em igualdade, justiça e democracia.

 

Parte-se do princípio do ensino de História como formador de identidade individual e de grupos. Nesse sentido, novas práticas pedagógicas, curriculares e educacionais que busquem incluir novas representações de movimentos sociais dentro da categoria de gênero, tornam-se dentro do campo de ensino, emergentes e necessárias frente aos diversos desafios e problemas sociais que esta categoria como um todo enfrenta historicamente.

 

É importante termos em mente, o caráter social das discussões dentro da disciplina de História, o qual traz consigo uma necessidade permanente de dialogarmos com a cultura escolar e com as novas e constantes necessidades sociais e curriculares, assim como aponta José Carlos Morgado:

 

“Em consequência das intensas transformações sociais e culturais e da revolução científica e tecnológica em que nos encontramos imersos, a escola tem-se visto confrontada com novas e constantes exigências curriculares e sociais.” (MORGADO, 2005, p. 89.)

 

A cultura docente como um todo, sofre consequências das transformações sociais e culturais, o que traz consigo novas e constantes exigências e análises no ensino. Nesse sentido, a mediação didática feita pelo professor tende a levar em conta essas novas e constantes exigências sociais e culturais para dentro do ensino de História. É nesse sentido, que se torna cada vez mais necessário relacionar gênero ao ensino de História, buscando integrar todos os sujeitos dentro das práticas históricas e escolares.

 

Levando em conta a dimensão crítica e social da História, torna-se necessário trazer voz para debates por vezes pouco realizados dentro do âmbito escolar, e que gritam por vez e voz cada dia mais em nossa sociedade.

 

O debate de gênero enquanto categoria de análise dentro do ensino de História, tende a recorrer a um intenso diálogo com os movimentos sociais, que influenciaram diretamente no surgimento das reflexões em torno desta categoria. De acordo com Pedro (2005), o uso e o surgimento do conceito de “gênero”, possui uma relação com os movimentos sociais de mulheres, feministas, gays e lésbicas numa trajetória de luta por direitos civis, humanos, de igualdade e respeito. Esse diálogo para com os movimentos sociais, trouxe ao termo gênero uma importância enquanto categorias de analise nas relações históricas, sociais e culturais assim como aponta Scott (1990), trazendo consigo a evidencia de que gênero é uma construção histórica e cultural, passível de problematização.

 

“[...] o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados a homens e mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. Gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.” (SCOTT, 1990, p. 75)

 

O estímulo e a busca pela inserção dos debates de gênero no ensino de História, partem do princípio da formação de um ensino de História condizente com as urgências, debates e sujeitos históricos existentes, buscando romper com a visão histórica e de ensino tradicional, baseada em uma visão patriarcal e sobretudo eurocêntrica. Busca-se, portanto, colaborar para um ensino de história crítico, inclusivo e emancipador.

 

Relacionado ao ensino, o debate de gênero nas escolas vem sendo cerceado de diversos debates e discussões que marcam a legalidade e a problematização desta categoria.

 

Atualmente, possuímos vários marcos legais, leis e diretrizes que discutem, argumentam e pontuam sobre ensino e gênero dentro do currículo escolar brasileiro- (Constituição Federal da República Federativa do Brasil (1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), Plano Nacional de Educação (2014 e 2001), Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004), Programa Brasil sem Homofobia (2004), Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2007), Lei Brasileira de Inclusão (2015); Base Nacional Curricular Comum- 2017). Schneider (2019) aponta que para além das diversas normativas e regulamentações na forma de leis e diretrizes educacionais de âmbito federal, municipal e estadual, existem ainda parâmetros curriculares que apontam para a produção de materiais didáticos, construção de planos de estudo e trabalho, metodologias e abordagens didáticas em torno desta problemática.

 

Dentro das necessidades de se trabalhar gênero e ensino de História, Schneider (2019) aponta para a importância destes debates e reflexões no que diz respeito a aproximação do ensino e da realidade social e cultural dos diversos alunos, para além de ser muitas vezes este, o espaço de manifestação das crianças e adolescentes frente aos diversos problemas usuais.

 

“Demais situações que referendam a importância de uma abordagem pedagógica com enfoque em gênero, dizem respeito a manifestações espontâneas de alunas que relatam vivenciar relacionamentos abusivos, ou já terem sido vítimas de situações abusivas ou de agressão de forma direta ou fazendo parte das relações familiares. Outras questões observadas chamam atenção e reforçam essa demanda: meninas que deixam de estudar ao estabelecerem um relacionamento sério; outras que terminam o fundamental e não seguem estudando; ainda há as que se tornam mães muito jovens, o que acaba por restringir as possibilidades e potencialidades do seu crescimento independente e autônomo.” (SCHNEIDER, 2019, pg. 14)

 

Apesar de Schneider usar em sua justificativa apenas alunas meninas e diversas situações cotidianas, sabe-se que estas problemáticas e situações não são enfrentadas apenas por meninas heterossexuais e que se inserem na categoria de gênero, mas por toda a diversidade de pessoas que nos diversos contextos e situações, compõe “gênero” e passam por dificuldades e problemas sociais e culturais cotidianos, o que de maneira direta e significativa, interfere no ensino aprendizagem. Para tanto, a autora aponta que é de extrema importância que o componente curricular História, contribua com estudos e reflexões acerca de como as diferenças, discriminações e problemáticas foram construídas ao longo dos anos enquanto relação de poder e constituidora de subjetividade (SCHNEIDER, 2019).

 

Existe uma premissa social e cultural de que assuntos como sexualidade e gênero são exclusivos ao ambiente familiar e influenciado sobretudo pela visão ideológica política e religiosa de muitas famílias. Esta mesma visão, propõe que à escola, cabe apenas a responsabilidade de ensinar os conteúdos e conhecimentos que são específicos de cada área do saber, sem problematizações e reflexões para além destes. Entretanto, como aponta Schneider (2019), o que se observa na pratica é que as famílias não cumprem este papel que propriamente lhes atribuem. O resultado dessa dicotomia, são os tabus em torno da orientação e educação sexual para além das atitudes de respeito e igualdade, o que traz consigo um grande histórico de discriminação, repressão e opressão social no que diz respeito às questões de gênero e sexualidades. Em grande parte, isso se deve ao silenciamento que se dá a esses temas por muitas vezes tidos como “polêmicos” para o ambiente escolar, gerando uma grande desinformação e falta de reflexão e diálogo para com a realidade de muitas crianças e adolescentes.

 

Nos documentos oficiais que tratam de ensino e que tornam a problemática de gênero viável dentro das discussões em ensino de História, observa-se muitas vezes que tais discussões são tratadas como “apêndices históricos”, sendo colocadas em livros didáticos apenas para “acrescentar informações” no formato de um box, ou tratado como um tema transversal da discussão dita “oficial” dentro da disciplina.

 

“É possível identificar que as construções de gênero estão sempre presentes de variadas formas: permeando as definições de quem é sujeito na história –predominantemente o sujeito masculino generalizado (branco e europeu, poderíamos acrescentar); a utilização do termo “homem” como sinônimo da diversidade dos seres humanos; o aparecimento de personagens mulheres principalmente como figuras que fugiram à regra ao assumir posição de destaque, geralmente na política, mas sem constar reflexões acerca do que representam os padrões de domínio masculino e suas exceções; ou então em episódios nos quais as ações das mulheres se evidenciam, tornando-se impossível invisibilizá-las: seja na luta por direitos específicos, seja por tomar parte de movimentos históricos -a característica dessas abordagens são perceptíveis em livros didáticos nos quais a referência às mulheres aparece em um “box”, ou ao final de capítulos com algum texto ou imagem que traz essa temática ou participação específica de mulheres de forma a complementar a um processo maior.” (SCHNEIDER, 2019, pg. 73)

 

Conclusão

 

O que se observa na prática, é que os debates relacionados a gênero e sexualidades ficam muitas vezes restritos a temas transversais dentro das disciplinas, mais especificamente dentro da disciplina de História. Ainda que seja um avanço e que busque minimamente garantir reflexões em torno de tais temas, necessitamos tornar estes debates não um apêndice histórico, mas algo efetivo e aparente dentro das discussões da disciplina.

 

A escola, enquanto lugar de socialização, pode segundo Auad (2006), ser o lugar onde se constrói um “aprendizado de separação” e discriminação, ou se tornar um importante local de emancipação e mudança, combatendo os preconceitos e desigualdades, construindo uma educação para a igualdade. Para isso, torna-se necessário a ampliação das atividades escolares e dos conteúdos na disciplina de História sobre as questões de gênero, buscando demonstrar a historicidade das concepções e das ideias em torno de “homem” e “mulher” que foram se transformando e dando origem a subjetividades ao longo da história.

 

Dessa maneira, buscando um ensino de História mais inclusivo, faremos um ensino voltado efetivamente para a construção da cidadania, papel este que desde longa data se atribui ao ensino de História.

 

Pensando nos três sentidos da História propostos por Carretero (2010), é importante estabelecer relação entre a História cotidiana, acadêmica e escolar. Nesse sentido, gênero em ensino de História, surge de uma necessidade histórica cotidiana, está presente em diversos debates acadêmicos, porém ainda hoje, pouco se observa o mesmo no ambiente escolar.

 

Dentro do ambiente acadêmico, há atualmente um crescimento de discussões a respeito de gênero e de gênero e ensino, sobretudo nas áreas das Ciências Humanas e Sociais. É necessário portanto, levar estes debates até o ambiente escolar, pois parte de uma urgência engendrada pela necessidade e pela existência de uma história cotidiana que se faz no seio da convivência social. Nesse sentido, parte-se do pressuposto que o planejamento realizado para as aulas de História deve pautar-se nas urgências de um presente e na existência de um passado que existe e subsiste, trazendo consigo feitos e efeitos para a sociedade atual (PEREIRA, 2020).

 

Parte-se do pressuposto de que o ensino de História colabora para a reflexão do presente como uma construção histórica, sendo imprescindível compreender a dimensão política e ética da História, e as implicações do passado no presente. Tornar as urgências do presente em conteúdos para serem trabalhados na disciplina de História, consiste, portanto, em inserir para dentro do debate de ensino de História, um elemento ético, vinculado ao sentido de formação para cidadania e de rompimento com uma visão histórica de tempo linear, evolucionista e sucessiva (CARRETERO, 2010).

 

Referência biográfica

 

Lorenna Rochinski, Mestranda Profissional em Ensino de História (Prof. História) pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

 

Referências bibliográfica

 

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São Paulo: Contexto, 2006.

 

CARRETERO, Mario. Três sentidos da História. CARRETERO, M. Documentos de Identidade: a construção da memória histórica em um mundo globalizado. Porto Alegre: Artmed, p. 31-67, 2010.

 

DA SILVA, Luis Gustavo Moreira; FERREIRA, Tarcísio José. O papel da escola e suas demandas sociais. Projeção e docência, v. 5, n. 2, p. 06-23, 2014.

 

MORGADO, José Carlos. A cultura docente. In: ____, Currículo e profissionalidade docente. Porto:Portugal, Porto Editora, 2005.p. 73-98.

 

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História (São Paulo), v. 24, p. 77-98, 2005.

 

PEREIRA, Nilton Mullet et al. Ensinar história [entre] laçando futuros. Revista Brasileira de Educação, v. 25, 2020.

 

SCHNEIDER, Gabriela. Gênero e ensino de história: a experiência das aulas para pensar a construção do currículo. 2019.

 

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.16, n.2, p.5-22, jul/dez., 1990.

2 comentários:

  1. DARCYLENE PEREIRA DOMINGUES12 de setembro de 2022 às 13:03

    Boa tarde, uma questionamento: você acredita que esse debate a respeito de gênero no ambiente escolar aumento significativamente nos últimos anos devido a inúmeras pesquisa. Mas observamos também um movimento contrário no ambiente político que freio e muito através de fakes news e informações distorcidas a respeito de temáticas como gênero ou sexualidade. Você acredita que os professores a nível ensino básico possuem receio de discutir essa temática mesmo tendo como dos documentos governamentais como BNCC que protegem essa discursão?
    Darcylene Domingues

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  2. Boa noite Darcylene. Obrigada pela pergunta!
    Como mencionado ao longo do artigo, há atualmente um aumento nas pesquisas relacionadas a história e gênero ou também gênero e ensino de História. Entretanto, como bem observado, no meio escolar observa-se o contrário. Acredito que devido às pressões políticas e sociais, os professores e educadores sentem-se receosos em trazer tais discussões para as salas de aula, pois muitas vezes são confrontados como sendo "doutrinadores", o que acaba por gerar inúmeros problemas na gestão escolar.
    Justamente olhando por esse prisma, nós professores/pesquisadores devemos nos dedicar a encontrar estratégias de debates e reflexões que busquem cada vez mais inserir estes debates por vezes silenciados em sala de aula.
    Espero ter ajudado!

    LORENNA ROCHINSKI

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