Heidi Ester Oliveira Barbosa

A Representação das Mulheres Negras em Museus Afro-Brasileiros

 

Heidi Ester Oliveira Barbosa

 

O projeto sobre a Representação das Mulheres Negras em Museus Afro-brasileiros, se iniciou em Agosto de 2021. Após quase um ano de projeto conseguimos recolher diversos materiais que possam contribuir com essa discussão que está longe de terminar. Afinal, o assunto é extenso por se tratar de questões de identidades, de movimentos sociais como o movimento negro e o movimento negro feminista, a ausência ou a real representação das mulheres negras.  

 

De início precisamos comentar sobre quais são as memórias que a sociedade brasileira carrega dos negros e negras. Geralmente essas memórias estão cheias de estigmas, pois remetem apenas aos anos de escravidão e sofrimento do povo negro, esquecendo todas e quaisquer sucessos que eles tiveram, seja no âmbito acadêmico ou até social. Mas afinal, o que é memória?

 

 Segundo Emanoel Araújo, em: “Negras memórias, o imaginário luso-afro-brasileiro e a herança da escravidão”. Ele coloca que a memória é um meio de criação para a identidade de um sujeito, um povo. Durante a História do Brasil, ocorreram muitos fatos históricos, a maioria teve como protagonistas homens brancos, quando os protagonistas eram negros, aqueles que narravam as histórias utilizaram do imaginário da sociedade e embranqueciam esses sujeitos por meios de quadros ou davam créditos do sucesso do negro para um branco, ou seja, sempre sendo colocado o negro como coadjuvante da sua própria história.

 

Percebe-se que o aporte da abordagem do autor está em consonância com nossa pesquisa, pois analisa o reconhecimento dos negros e negras, para um aumento de sua autoestima. Exigir que dentro dos próprios movimentos negros, ocorre a discriminação de gênero, logo uma mulher negra ela sempre irá lutar em dobro, seja por ser mulher e por ser negra. Ao questionarmos a representação dessas mulheres negras nos museus, podemos imaginar em alguns cenários. O primeiro cenário é que há uma representação, entretanto, essa representação está direcionada apenas aos aspectos negativos da história, colocando-as apenas na época de escravidão. Outro cenário possível é a ausência dessa representação, contribuindo para a discriminação das mulheres negras, e o último cenário, é a representação dessas mulheres negras como escritoras, grandes contribuidoras da sociedade. Sendo bem sincera, acreditamos que o último cenário seja impossível de existir, pois ainda estamos vivendo em uma sociedade machista, sexista e racista, que contém um governante que é machista, sexista e racista.

 

A memória por ser um recurso muito importante, ela está diretamente ligada a instituição museológica. Com isso, devemos falar sobre como os museus, eles possuem um papel de extrema importância para a educação. A princípio, os museus foram elaborados para representarem um grupo de indivíduos por meio de elementos que seriam eternizados para contar suas histórias. Quando vamos observar os museus espalhados pelo Brasil, vemos que a maioria desses museus estão apenas de um lado da história, enaltecendo o lado dos opressores. O museu torna-se um lugar de poder e disputa ideológica, com isso sempre devemos pensar para quem foi construído aquele museu e qual seu público-alvo. Interessante ressaltarmos que os museus afro-brasileiros podem ser utilizados em sala de aula como ensinamento sobre a cultura africana, estudar sobre a história e a cultura afro-brasileira nas escolas é despertar nos estudantes o interesse em conhecer sobre como o Brasil é rico culturalmente, seja devido as músicas, festivais etc.

 

Como já dito, o museu é um espaço de educação, o texto de Regina Abreu sobre os Museus Etnográficos e as práticas de colecionismo, ressalta sobre a inclusão da cultura, como essa inclusão pode transformar uma sociedade, combater preconceitos e ser uma forma de resistência. Ao final do texto, Regina comenta sobre um novo estilo de museu que começou a surgir no Brasil. São museus voltados para a cultura popular, de porte pequeno em que seus criadores eram artistas, folclorista e antropólogos que desejavam registrar todos os aspectos de tradições culturais no Brasil, assim formando a ideia de que os museus de início estavam direcionados aos antropólogos e museológicos e seus estudos, e não voltado a autorrepresentação. Logo depois o museu ele acaba surgindo como uma forma de luta, resistência e até mesmo re existência

 

Dito isso, o projeto de pesquisa quer refletir sobre a representação das mulheres negras em museus, assim, temos que comentar sobre o movimento negro e o movimento feminista e, como os dois movimentos fazem parte de um processo histórico-cultural. A história das mulheres negras gira em torno de seus trabalhos em lavouras ou sendo quituteiras. Durante toda a história, essas mulheres negras sempre estiveram em segundo plano, permaneceram em papéis secundários da história, devido ao racismo e a opressão que a mulher negra vive na sociedade.

 

Para conseguirmos analisar os museus, temos que passar por alguns textos que irão retratar sobre o papel da mulher negra na sociedade e assim iremos conseguir entender essas representações nos museus. Temos que falar sobre o livro de Ângela Davis, Mulheres, Raça e Classe, de 1981, em que retrata a opressão da mulher, negra e pobre, no livro é comentado sobre a contribuição das mulheres negras para a formação da história do povo negro estadunidense. É exibido como o racismo colabora para o sexismo e a exploração de classe, como o sexismo coopera para o racismo e a exploração de classe e por fim, como a exploração é sustentada por esses dois conceitos, racismo e Sexismo.

 

O Movimento feminista, apresenta diferenças em suas análises, situando ações de determinadas mulheres a serem representadas, ou seja, inicialmente partiu-se do ideal de mulheres brancas e de classe média. Para esse grupo a busca por emancipação por questão de classe era o principal, logo, elas tinham como lógica que se os problemas relacionados ao trabalho fossem solucionados, de forma instantânea as outras questões seriam resolvidas também, como a abolição da escravidão.

 

As mulheres brancas e negras, foram definidas e classificadas por um sistema ideológico de dominação que infantiliza essas mulheres. Quando falamos sobre a opressão da mulher latino-americana é dizer sobre a realidade vivida por milhões de mulheres que sofrem muito mais que as mulheres brancas. Desta forma, todos os oprimidos acabaram desenvolvendo formas político-culturais de resistência. A autora comenta sobre um ditado muito popular em nossa sociedade: “branca para casar-se, mulata para fornicar, negra para trabalhar”. Logo percebemos quais são os papéis dessas mulheres na sociedade, como as mulheres negras são objetificadas sexualmente e nada mais, colocando o corpo negro feminino apenas para uso e descarte.

 

Entrando nesse assunto sobre racismo e sexismo, o texto sobre racismo e sexismo na cultura brasileira, pela Revista Ciências Sociais hoje, aponta que esses dois fenômenos atingem as mulheres negras. Como que a mulher negra é sempre vista como mãe, doméstica, mulata, é por meio do sexismo que surge o racismo. A maioria dos textos existentes sobre mulheres negras sempre abordam apenas o lado socioeconômico em que os problemas relacionados estavam ligados à questão racial.  Entre esses pensamentos, surge sobre como é naturalizado o negro viver na miséria, em não ter uma capacidade intelectual, ser perseguido por policiais e estar sempre atribuído as coisas terríveis da sociedade.

 

Da mesma forma em que pensam isso do povo negro em geral, a imagem da mulher negra como cozinheira, faxineira, é totalmente naturalizada, com isso ocorre o apagamento da mulher negra no papel de formação cultural da Sociedade. Já a memória, ela é “{...} lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita. O que podemos afirmar é que a consciência ela exclui o que a memória acaba incluindo’’. A mulher negra só é vista quando endeusam ela durante o carnaval, momento em que precisa dar tudo de si nas apresentações, com o seu rebolado e seu corpo, mas essa admiração toda só surge durante o carnaval. No cotidiano, essa mesma mulher é vista apenas como empregada doméstica. É necessário destacar como a mulher negra segura a barra familiar quase sempre sozinha, isso devido que os homens de seu meio, seja o marido, filhos ou irmãos, estão sempre sendo perseguidos pelos policiais, os mesmos que prometem proteger e ao mesmo tempo são os mesmos que oprimem.

 

Após as análises textuais, observamos o site do Museu Afro Brasil, nele encontramos muitos materiais sobre a cultura afro-brasileira. No site temos uma aba intitulada de Educação, em que nela se encontram os projetos especiais, tais quais o Museu Afro Brasil recebeu estudantes de Maryland, participante do projeto “A Journey Through the African Diáspora”. Os programas, como a formação de professores. Os Projetos em que se encontram as oficinas, encontros na biblioteca ou com artistas. Os materiais de apoio, às visitas educativas e pôr fim a Revista do Núcleo de Educação.

 

A revista tem como intuito instigar os visitantes a problematizar e questionar, para no final compreender a cultura e a formação da nossa sociedade, demonstrando as contribuições africanas e afro-brasileiras na constituição deste País. Como em toda revista há entrevistas, nessa não poderia faltar. É realizada uma entrevista com o professor Marcelo D’Salete, Mestre em História da Arte pela USP. Marcelo afirma que os museus, bibliotecas e centros culturais foram de extrema importância para a sua formação, fora a escola e a universidade.

 

Ele comenta sobre as dificuldades que vivenciou quando dava aula no Museu, como o enorme esforço para a formação de educadores no Museu. Exibindo a importância da educação em museus e da sua percepção sobre as relações raciais e a história do Brasil que é relacionada apenas à escravidão, ao castigo, a violência. Esse discurso que visa apenas o sofrimento por parte dos africanos/afro-brasileiros, são reproduzidos pela maioria das escolas, resultando em uma visão parcial, uma limitação de história, tornando-se uma história única - Termo em que a autora Chimamanda Ngozi Adichie utiliza em seu livro “O perigo de uma História única”.

 

Partindo dessa linha de raciocínio sobre o perigo de uma História única, quando reduzimos a população negra a esse discurso negativo, não mostramos as diversas ações pela autotomia e negociações que os negros faziam, as ações de quilombos, irmandades, imprensas negras e formações religiosas. O entrevistado esclarece seu real pensamento: Fugir da mesma narrativa focada apenas em trabalho e escravidão, trazendo assim, outras narrativas. Sempre teve um grande entusiasmo em abordar o núcleo de personalidades históricas, festas, arte contemporânea etc. Sua missão era realizar com que os estudantes tivessem um outro olhar sobre a cultura negra no Brasil, sobre a sua arte, a história, o culto aos Orixás e suas vestimentas, sua história, o culto aos orixás, suas vestimentas etc.

 

Logo após essa entrevista, quando acessamos o Acervo Digital do Museu Afro Brasil e informamos nosso objeto de pesquisa - Representação das Mulheres Negras. Vemos pinturas de mulheres negras feitas pelo artista Benedito José Tobias (1894 - 1963), um dos raros artistas afrodescendentes. Os trabalhos de Benedito eram basicamente sobre dois grupos, sendo eles retratos de mulheres e homens negros e o outro, as paisagens urbanas de São Paulo.




Figura 1 - Retrato de mulher negra

Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital

 


Figura 2 - Retrato de mulher negra

Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital

 



Figura 3 - Retrato mulher negra

Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital

 



Figura 4 - Retrato mulher negra

Fonte:  http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital



Figura 5 - Retrato de mulher negra

Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital

 

Depois desses retratos, dados de cara com um tipo de máscara Gueledé, de origem do Povo Iorubá - Nigéria. Essa máscara é muito popular entre os Iorubá. São utilizadas no festival das gueledé em que visa a honra a qualquer orixá ou herói cultural, entretanto, a função mais conhecida é da de “a grande mãe” - Iyá Nlá. Já que ela é identificada como a primeira mulher do universo Iorubá e esposa da divindade Obatalá. A Iyá acaba sendo associada a mãe natureza, logo, a mãe de todas. Nesse festival os homens usam e dançam com as máscaras, pois a mulher que tem o título mais alto na sociedade, as três marcas na testa da máscara fazem referência à sua origem iorubana. A partir dessa explicação da máscara, podemos perceber que mesmo a mulher estando no topo da sociedade, ela ainda é vista apenas pelo seu instinto maternal, atribuindo sempre o papel de mãe, de cuidadora a mulher.

 




Núcleo de Pesquisa - Museu Afro Brasil

Fonte: http://www.museuafrobrasil.org.br/acervo-digital

 

 

 

Referências biográficas

 

Drª Jaqueline Ap. M. Zarbato. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

 

Heidi Ester Oliveira Barbosa, estudante do curso de História licenciatura, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

 

Referências bibliográficas


ARAÚJO, Emanoel. Negras memórias, o imaginário luso-afro-brasileiro e a herança da escravidão. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 242-250, 2004.

https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/05/Mulher-Negra.pdf

 

ABREU, Regina. Museus etnográficos e práticas de colecionismo: antropofagia dos sentidos. Revista do Patrimônio Histórico eAr- tístico Nacional, n. 31, p. 100-125, 2005.


Davis, Ângela. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani..1. ed. -São Paulo: Boitempo, 2016.

 

Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.

http://www.museuafrobrasil.org.br/ Acessado em: 20/03/2022

9 comentários:

  1. Boa noite. Primeiramente parabéns pela pesquisa. Muito interessante o relato da utilização dos museus para o ensino da cultura africana, e principalmente sobre o protagonismo feminino negro, uma história silenciada na nossa sociedade.
    Gostaria de saber se em sua pesquisa será abordado outros museus brasileiros com acervo de itens ou materiais sobre a representatividade feminina negra? Se sim, quais?

    Att. Leila Carla Antunes Novaes

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    1. Boa noite Leila, muito obrigada pelo comentário!!! Sim, devemos analisar os acervos e os materiais presentes nos seguintes museus: Museu Cultural Afro Brasileiro (MAFRO), o Museu da Cultura Afro brasileiro (MUNCAB) e o Museu da História e Cultura Afro Brasileira ( MUHCAB).

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  2. Parabéns pelo artigo Heidi Ester Oliveira Barbosa que se chama a Representação das Mulheres Negras em Museus Afro-Brasileiros que aborda que o movimento feminista, apresenta diferenças em suas análises, situando ações de determinadas mulheres a serem representadas, ou seja, inicialmente partiu-se do ideal de mulheres brancas e de classe média.
    Assina Francielcio Silva da Costa.

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  3. De que forma é possível desconstruir essas memórias que a sociedade brasileira carrega dos negros e negras repletas de estigmas associados a anos de escravidão e sofrimento do povo negro?
    Assina Francielcio Silva da Costa.

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    1. Boa noite Francielcio, muito importante a sua dúvida. De início devemos nos atentar aos materiais que são disponibilizados para o ensino de História que são disponibilizados para as escolas. A grande maioria desses materiais, livros didáticos, contam com a presença de imagens e textos que permitem a disseminação dos estigmas negativos associados aos negros e negras. Além deste fato, o(a) educador(a) deve-se sempre estar atento à sua fala, os profissionais que atuam na disciplina de História, é dever deles buscarem e levarem para as salas de aula imagens, relatos, materiais além dos livros didáticos que possam apresentar uma outra perspectiva sobre os negros e negras.

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    2. Boa noite Francielcio, muito importante a sua dúvida. De início devemos nos atentar aos materiais que são disponibilizados para o ensino de História em escolas. A grande maioria desses materiais, livros didáticos, contam com a presença de imagens e textos que permitem a disseminação dos estigmas negativos associados aos negros e negras. Além deste fato, o(a) educador(a) deve-se sempre estar atento à sua fala, os profissionais que atuam na disciplina de História, é dever deles buscarem e levarem para as salas de aula imagens, relatos, materiais além dos livros didáticos que possam apresentar uma outra perspectiva sobre os negros e negras.

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  4. Parabéns pela pesquisa e pela escrita, Heidi!

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  5. Obrigada pelo comentário e pela atenção Renata!!

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